Nathan Raphael Varotto: Educação para e pelo futebol
Educação para e pelo futebol
O futebol tornou-se uma identidade, sobretudo no Brasil, já ouvimos e presenciamos diversas histórias dentro e fora do campo. Em alguns casos é capaz de unir pessoas (vale ressaltar aqui a foto emblemática que tomou o mundo de um torcedor do Boca Juniors e outro do River Plate se abraçando e chorando a morte de Maradona), suscitar momentos de alegria, euforia e outros tantos momentos bons que podemos estabelecer uma analogia com um remédio[1], que ameniza, momentaneamente, as dores sociais.
Outrossim há momentos que a identidade é tanta que pessoas se agridem apenas porque outras se identificam com uma equipe distinta ou quando cometem atos racistas ou ainda quando dizem que futebol não é coisa de mulher e é aí que se torna um veneno, capaz de intoxicar ainda mais uma parcela da sociedade.
Diante da situação imposta pela pandemia da COVID-19 tanto o veneno quanto o remédio - futebol - estiveram suspensos por um período, mas as instituições (clubes e confederação brasileira de futebol) não tardaram a insistir o retorno dos campeonatos e assim expor ainda mais ao risco de infecções pelo novo coronavírus jogadores e comissão técnica. Mais adiante voltaremos à situação pandêmica.
Ambas as situações, seja como remédio ou como veneno são capazes de educar e entendo que educação: "[...] é um fenômeno humano e está inserido em uma totalidade complexa de relações humanas que tecem saberes e conhecimentos incorporados em cada pessoa, tornando possível a troca desses saberes e conhecimentos"[2].
O futebol é um veículo de educação, pois a partir das ações humanas fora possível a emergência, sistematização de saberes e conhecimentos futebolísticos que interferem na vida das pessoas, ou melhor, na sociedade como um todo.
Inspirado pelos escritos de Nelson Carvalho Marcellino em Lazer e Educação (2000), obra na qual o autor conceitua a educação para e pelo lazer[3] é que descrevo a educação para e pelo futebol.
Nesse sentido considero a educação para o futebol a mais vivenciada, principalmente por meninos, é comum vermos pessoas de diferentes faixas etárias ensinando como chutar a bola, como conduzir a bola, como se descolar nos espaços de jogo, ou seja, contribui para o trabalho feito nas inúmeras escolinhas de futebol espalhadas pelo Brasil, há desafios na internet de como reproduzir jogadas consideras épicas e outros tantos exemplos da educação para o futebol.
A educação pelo futebol consiste em educar-se a partir do futebol e o momento que estamos vivenciando decorrente da pandemia da COVID-19 é muito propício. Ao invés das pessoas que, compõem os clubes e a confederação brasileira de futebol, defenderem a volta dos jogos em meio ao caos que estamos vivendo, expondo ao risco jogadores e comissão técnica pura e simplesmente por razões econômicas, poderiam se somar às torcedoras e torcedores das torcidas organizadas[4] e criarem estratégias a fim de tentar diminuir as contaminações ou estabelecer diálogo com o poder público para uma ação conjunta, pois sabemos a influência dos clubes na sociedade.
A educação pelo futebol é mais do que jogar futebol é pôr em destaque os processos educativos decorrentes do futebol, a partir deste prisma fica difícil enxergar o futebol no singular, a diversidade dos futebóis é imensa, porém pouco conhecida, pois não educam pelo futebol e sim para o futebol, por exemplo, o futebol de homens trans, que cria uma rede de inclusão para essas pessoas que são excluídas dos espaços hegemônicos do futebol, o futebol de mulheres que luta desde há muito para conquistar espaço de jogo e fala, o fútbol callejero que a partir de equipes mistas, busca a recuperação de valores como respeito, cooperação e solidariedade, dentre outras.
Para que, principalmente, as ações venenosas do futebol sejam neutralizadas é preciso que tanto a educação para, quanto a educação pelo futebol estejam juntas, acontecendo simultaneamente, pois o: " [...] intercâmbio realizado ao longo dos tempos, torna-se, assim, a educação um fenômeno imortal e atemporal, pois resiste ao tempo e ao espaço de modo que, enquanto houver vida humana, haverá educação e pessoas significando e "ressignificando" sua existência e história. Foi assim. Continuará sendo assim"[5].
[1] Aqui estou me baseando na obra de José M. Wisnik, intitulada "Veneno Remédio: o futebol e o Brasil", publicado em 2008 pela editora Companhia das Letras.
[2] Trecho retirado da pesquisa de mestrado que desenvolvi - VAROTTO, Nathan R. A prática social da mediação no fútbol callejero: processos educativos decorrentes. 2020. 80f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2020.
[3] Marcellino (2000) afirma que o lazer é veículo e objeto da educação e por isso sugere, em uma das suas obras, a educação para e pelo lazer. Veículo compreende a educação pelo lazer, no qual as pessoas se educam através dele e Objeto compreende a educação para o lazer, no qual ele próprio é o motivo da educação.
[4] Há um artigo sobre a pandemia e as torcidas organizadas escrito por Luiz Henrique de Toledo e Roberto de Alencar Pereira de Souza Junior, intitulado "Redes populares de proteção: Torcidas Organizadas de futebol no contexto da pandemia da COVID-19".
Disponível em: https://journals.openedition.org/pontourbe/8706.
[5] Trecho retirado da pesquisa de mestrado que desenvolvi - VAROTTO, Nathan R. A prática social da mediação no fútbol callejero: processos educativos decorrentes. 2020. 80f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2020.