Denis Prado: Um país chamado Futebol

19-03-2021

Um país chamado Futebol

Pensar em futebol e pandemia implica refletir a partir de várias frentes, sob diferentes aspectos. Podemos destacar suas relações e conexões na esfera sociológica, no campo do político, psicológico, atlético, econômico, pedagógico, enfim, em inúmeras possibilidades. Podemos considerar também a escala e destacar elementos locais ou globais. Para cada lado que observamos, um tempo específico seria necessário para discorrer sobre. Hoje, tempo é um privilégio que não temos mais. Desde de o início da leitura desse texto 35 segundos[1] já se passaram e mais uma vida se foi, levada por esse vírus tão mortal.

O Brasil agoniza sufocado, mergulhado no caos em meio à maior crise sanitária dos últimos tempos. Crise esta impulsionada pelas tomadas de decisões e também pela ausência de ações efetivas no combate à pandemia de um governo facínora, genocida, o qual tem se demostrado tão mortal quanto o vírus SARS-COV-2. Uma tragédia política anunciada, agravada ainda mais pelo surto do COVID19 que há pouco mais de um ano assola o país. Quanto às projeções futuras, essas são pouco animadoras, não há sinais de queda no número de infectados. Batemos recordes diários; surgem novas variantes, enquanto a campanha de vacinação segue a passos lentos.

Diante dessa realidade apocalíptica, o futebol[2] se apresenta como uma frente de resistência às medidas de restrição. No estado de São Paulo o campeonato paulista foi suspenso pelo Governo do estado a partir do último dia 15, devido às mudanças nas regras de circulação de pessoas, as quais se tornaram ainda mais rígidas[3], o que gerou muitas críticas e contestação de entidades, gestores e atletas. A federação paulista, divulgou uma nota oficial[4] informando que está trabalhando em conjunto com a CFB (Confederação Brasileira de Futebol) e federações de outros estados para a alteração dos locais dos jogos. Segundo a entidade, "A partir da falta de argumentos científicos e médicos que sustentem a paralisação das referidas rodadas neste momento, os clubes delegaram à FPF também a possibilidade de judicialização do caso para garantir a continuidade da competição no Estado de São Paulo neste período de Fase Emergencial."

Os argumentos defendidos pela instituição e até mesmo pela cartolagem não se sustentam. Os dizeres que o futebol é atualmente o ambiente mais seguro, que o povo precisa de entretenimento enquanto fica em casa, fazem parte de um discurso vazio, fora da realidade do país e distante de qualquer senso de responsabilidade e noção do bem comum. Entretanto, ele é sintomático daquilo que o futebol se tornou. O discurso revela os reais interesses, obviamente econômicos, que movimentam e ditam as regras, internas e externas do esporte mais querido do país. Não nego, obviamente, as consideráveis quedas na receita dos clubes, a redução dos salários, não somente dos atletas, mas também dos funcionários dos clubes, os términos dos contratos. Consideremos, também, os empregos diretos e indiretos, formais ou não, que simplesmente deixaram de existir. São várias as faces de uma mesma tragédia.

O incômodo maior, entretanto, é a postura que o futebol tem adotado diante das questões sociais. É como se o futebol no Brasil, seguindo o modelo europeu e a lógica do capital, tivesse se autoproclamado uma país independente, com suas particularidades e contradições. Torcedores tornaram-se imigrantes. Os dirigentes compõem a aristocracia governante. Os atletas, formam uma classe superior de cidadãos supervalorizados, superestimados. São chamados de heróis, guerreiros, reis e fenômenos, marca cultural de uma sociedade que clama por idolatria.

Esta posição em que futebol foi alçado, avaliza a realização de jogos durante as restrições impostas ao restante da sociedade, como em um FlaXFlu no Maracanã, ao lado de um hospital de campanha lotado. Ela legitima as festas de jogadores badalados em meio a campanhas de não aglomeração e os jantares e jogos de azar em cassinos de luxo clandestinos.

Exemplos negativos relacionados a este mundo paralelo não faltam, precisaríamos de mais tempo para citá-los, mas como já dito, este recurso é escasso. As notícias são atualizadas a todo instante, em uma velocidade absurda, tornando esse texto provavelmente obsoleto. O que parece não mudar é o caráter egocêntrico e desprezível daqueles que gerenciam o esporte preferido do povo. A final, no país chamado futebol, a lógica não é a empatia. A solidariedade é só uma ação de marketing.

[1] Considerando dos dados do dia 12/fev o país registrou 2.349 mortes em 24h. Fonte: https://especiais.g1.globo.com/bemestar/coronavirus/estados-brasil-mortes-casos-media-movel/. Acesso em 14/03/2021

[2] O futebol que nos referimos trata-se do midiático ou como prefere alguns, o futebol de elite. Para os outros futebóis, outras considerações são fazem necessárias.

[3] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/03/11/sp-suspende-cultos-religiosos-campeonatos-esportivos-e-determina-fase-emergencial-da-quarentena.ghtml. Acesso em 17/03/2021

[4] https://futebolpaulista.com.br/Noticias/Detalhe.aspx?Noticia=17104. Acesso em: 17/03/2021

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